Ilustrações em Capas de discos: Contracultura, psicodelia e a banda Os Mutantes [Pt. 1]

giselle zart
7 min readAug 22, 2019
36Days os brazilian type — Capas de discos psicodélicos, tropicalistas ou da MPB — de A a Z

Artigo “Contracultura, Psicodelia e Tropicália: Uma análise das ilustrações das capas dos discos ‘O Jardim Elétrico’ e ‘Os Mutantes e seus cometas no país dos Baurets’”

Univali — Universidade do Vale do Itajaí
Pós-Graduação (Latu Sensu) com especialização em Ilustração
Acadêmica: Giselle Carolina Ferreira Zart
Orientador: Luciano Adorno

RESUMO
Esta pesquisa analisa as ilustrações das capas de dois álbuns da banda Os Mutantes, ‘Jardim Elétrico’ (1971) e ‘Os Mutantes e seus Cometas no País do Baurets’ (1972). Para isso, faz uma revisão bibliográfica do contexto sócio-cultural da época em que foram criadas. Desde a Contracultura e o Movimento Psicodélico, até a Tropicália e o surgimento da banda. Depois,
observa a relevância do disco de vinil e a importância do design da capa como forma de expressão e suporte artístico. Utiliza também conceitos de análise de imagem (JOLY, 2006) e fundamentos de desenho (BIRCH, 2015) para distinguir formas, cores, composições e texturas das duas ilustrações. O estudo do assunto é uma maneira de revisitar a memória e estimular o interesse por uma das mais icônicas bandas brasileiras, que mesmo após 50 anos serve de referência para músicos, artistas e jovens, com sua forma de se expressar na época: por meio das capas dos discos.

Palavras-chave: Ilustração. Design. Tropicália. Os Mutantes.

Contexto histórico

Uma época de revoluções. Assim pode ser chamada a turbulenta fase de transição entre as décadas de 1960 e 1970. Foi neste cenário que se desenvolveram os movimentos jovens que influenciaram a cultura, a produção visual, a forma de ser e se posicionar em sociedade. Contracultura, Movimento Psicodélico e Tropicália se relacionam para formar a composição de referências da banda brasileira ‘Os Mutantes’. Conhecida por sua criatividade, dinamicidade, irreverência e, principalmente, por representar a era psicodélica na história da música, sobretudo por sua estética visual diferenciada.

Esta pesquisa considera o contexto em que este período de efervescência cultural tomou forma, para analisar, a partir dos estudos culturais, as ilustrações presentes nas capas dos discos de vinil ‘O Jardim Elétrico’ e ‘Os Mutantes e seus Cometas no País do Baurets’. A análise empreende uma revisão bibliográfica com o objetivo de compor um background com as características do contexto social, cultural e político em que se criaram as capas. Para tanto, são observadas as contribuições dos movimentos que alimentaram a capacidade criativa de uma geração — que incluía Alain Voss, ilustrador das capas estudadas, e Os Mutantes, icônica banda brasileira.

Depois, a atenção da pesquisa se volta ao vinil como suporte nostálgico de comunicação, e ao desenvolvimento de ilustrações para a época, quando o encarte do disco deixou de ser mera proteção e se tornou mais um elemento da composição musical e artística da qual faz parte. Com estes recursos, as capas destas publicações passam a ser vistas dentro de alguns conceitos-chave de análise da imagem (JOLY, 2006) e fundamentos de desenho (BIRCH, 2015). O interesse em buscar este conteúdo vem da necessidade em se explorar e revisitar um tempo revolucionário tanto para a cultura, quanto para as artes visuais.

Vanguarda e contracultura

A década de 1960 protagonizou o processo de industrialização ao mesmo tempo em que possuía padrões morais rígidos de comportamento. A juventude, insatisfeita com estes valores, criava uma cultura própria, questionando toda forma de poder ou autoridade, reflexo de suas tendências comportamentais de revolta, expressa principalmente pela música, de forma individualizada ou em pequenos grupos, e pela expansão dos meios de comunicação (TRUJILLO, 2011, p. 3). Nessa transformação, os beatniks, intelectuais criativos e boêmios, foram os precursores de uma alternativa ao estilo de vida conservador que predominava. Esse anseio por mudanças e a busca da juventude por autoconhecimento e liberdade de expressão estimulou o surgimento dos Movimentos Hippie e Psicodélico.

As produções culturais que surgiram neste período apresentaram uma linguagem visual diferenciada — com cores, curvas fluidas e formas sinuosas por influência da Art Nouveau, a vibração ótica ocasionada pela Op Art, além da referência da Pop Art. Em paralelo, também construiu o imaginário ao lado de produções literárias, filosóficas e musicais. “O design, neste contexto, desempenha o papel de tradutor e mantenedor da sociedade na qual ela se inscreve” (SANTANA, 2013, p. 126). Sendo parte da estrutura social, lado a lado, as imagens interagiam com diversas áreas do conhecimento, como a arte e a poesia, enquanto a contracultura mesclava influências variadas como filosofia, cinema e literatura (BAY, 2009). A partir deste pensamento, a contracultura serve como inspiração para a criação de outro movimento, desta vez no Brasil: o tropicalismo.

Conforme apontam Napolitano e Villaça (1998), seus eventos fundadores são localizados em 1967, embora o Tropicalismo, como movimento assim nomeado, tenha surgido no começo de 1968”. Coletivo de músicos e artistas, entre os quais Hélio Oiticica, criador do termo, o grupo foi responsável por uma série de rupturas comportamentais, a tropicália se desenvolvia a partir de referências vanguardistas. A Tropicália “‘acabou por definir uma nova estética’ e, por consequência, abre-se o espaço para a recuperação de suas incidências e suas representações estéticas nas capas de disco”, e um momento em que “o design gráfico vai refletir esse comportamento transgressor e, sobretudo, de candente criatividade, nas capas de disco do movimento e nas do pós-movimento” (SANTANA, 2013, p. 118).

Críticos ao golpe, os integrantes se manifestavam de maneira subliminar em suas canções, enquanto a ditadura aumentava a repressão. Em meio a esta vontade de expressão, uma revolução musical começou a partir de intervenções de Gilberto Gil e Caetano Veloso, 3º Festival de Música Popular da TV Record, em 1967. Convidados a se apresentarem junto a eles, Os Mutantes aderiram ao movimento (CALADO, 1997; FAVARETTO, 1977).

O surgimento da banda Os Mutantes

Os Mutantes eram uma banda de rock’n’roll, originalmente formada pelos jovens paulistanos Rita Lee Jones e os irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, que antes participaram de outros grupos como o Wooden Faces e O’Seis, chegaram, inclusive a se apresentar no programa Jovem Guarda, da TV Record (ALVES, 2011, p. 58).

Rita Lee, vocalista, flautista e harpista do grupo, foi a verdadeira rockstar — a musa do rock nacional foi desde o princípio o centro das atenções, seja por sua irreverência, seja por sua beleza exótica. Arnaldo Baptista, principal compositor, foi o gênio, poeta e maestro por trás do grupo mutante, supostamente incompreendido e idolatrado. Sérgio Dias fazia a vez do virtuose: com uma técnica de guitarra surpreendente desde a mais tenra idade é, até hoje, um dos maiores instrumentistas que a música brasileira já gerou. […] (TRUJILLO, 2011, p. 8).

Apresentados a Gilberto Gil por Rogério Duprat, Os Mutantes gravaram duas músicas dele e se apresentam no Festival com “Domingo no Parque”. Este foi um elemento propulsor da banda que, logo depois da apresentação, que levou o segundo lugar, foi convidada pela Philips para gravar seu primeiro LP, “Os Mutantes”, de 1968 (ALVES, 2011, p. 58; SANTOS, 2008; TRUJILLO, 2011, p. 6). Jovens, performáticos e experimentais, Os Mutantes davam novos significados quando “digeriram a linguagem dominante no cenário mundial, […] o rock & roll, e a recriaram à sua maneira” numa colcha de retalhos de influências que carregavam — principalmente grupos ingleses e americanos, e os Beatles, justamente na fase mais psicodélica (TRUJILLO, 2011, p. 2). Assim, Os Mutantes são referência de transgressão e psicodelia para o Brasil e o mundo (TRAMMEL, 2017).

Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias: Os Mutantes

O início da década de 70 foi de autoquestionamento para a banda. Eles se mudaram para a Serra da Cantareira, no interior de São Paulo, em busca de contato com a natureza. A relação com o estilo de vida comunitário era parte da descrença da juventude da classe média brasileira, que abraçou o discurso underground.

Na esteira deste conteúdo, tem relevância, no mesmo período histórico, a psicodelia — tanto para a música e para a cultura, quanto para a ilustração. Pois “(…) é o movimento tropicalista que se utiliza das capas de disco, não apenas como embalagem, tampouco como meio, somente, de divulgar o artista, mas como extensão do trabalho poético-musical daquele que grava um disco” (SANTANA, 2013, p. 122). Segundo Rodrigues (2006), é também neste contexto que “coube aos artistas gráficos materializar visualmente o pensamento desta geração”, tendo nos jovens a descoberta de um público consumidor de produtos — como roupas, espetáculos, e discos de vinil (STRAUB; GRUNER, 2009).

Giselle Zart

http://lattes.cnpq.br/1663171671023381

Especialista em Ilustração pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), com formação em Fotografia Digital (Senac) e graduação em Tecnologia em Design de Interiores pela Universidade do Planalto Catarinense (Uniplac), onde foi Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) da licenciatura em Artes Visuais (Uniplac). Cursou disciplinas complementares as áreas relacionadas da atuação, como processos fotográficos analógicos, ilustração em técnicas manuais, digitais e mistas. Atua no campo editorial, artes visuais, publicidade, audiovisual e de tecnologia da informação, como designer multidisciplinar, fotógrafa e ilustrador

Com a correção do meu hermano querido:

Luiz Henrique Zart

http://lattes.cnpq.br/9146138341577890

Jornalista graduado pela Universidade do Planalto Catarinense (Uniplac), cursa especialização em Comunicação e Jornalismo pela Universidade de Araraquara (Uniara). Tem formação na área da Comunicação, com ênfase em Jornalismo. É integrante da Rede de Pesquisa Narrativas Midiáticas Contemporâneas (Renami), vinculada à Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor). Atualmente é professor da graduação em Jornalismo da Uniplac, e atua como jornalista freelancer na produção de textos e reportagens, e na orientação de pesquisas acadêmicas.

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